Minha lembrança mais antiga da minha tia são os brigadeiros.
Ela fazia brigadeiros todas as vezes que íamos para a casa da minha avó
no interior.
E eram para nós, para mim e para meus dois irmãos, para mais ninguém.
Macios, saborosos, eu nunca mais, desde que ela faleceu, experimentei
brigadeiros tão gostosos. Chocolate belga, chocolate importado, sabores
diferentes...nada consegue se comparar ao sabor dos brigadeiros da tia Nice.
Eu me lembro da festa que era para nós, raspar o fundo da panela, ainda
quente, quase queimando a língua.
Depois que ela se foi, eu nunca mais tive o prazer de raspar o fundo de
uma panela de brigadeiro. Na verdade, eu nunca mais senti vontade de fazer
isso.
E eu nunca, nem uma vez em quase 30 anos, cheguei perto de um fogão para
fazer este doce.
Era algo inconsciente, algo que eu não queria fazer porque eu acreditava
que os brigadeiros deveriam ser algo que só ela poderia fazer para mim.
Mas hoje, quando a minha filha comentou que o namorado dela adorava
brigadeiros de ovomaltine, algo dentro de mim se acendeu e eu senti uma vontade
imensa de fazer para ele um doce que sempre foi para mim o mais delicioso do
mundo e que, nos últimos 30 anos, tinha perdido para mim, toda a graça.
E, resoluta, cheguei ao fogão munida dos ingredientes e meus olhos se
encheram de lágrimas ao me lembrar dela, de bermuda e camiseta, mexendo a
colher de pau no fogão da cozinha da casa da minha avó enquanto eu olhava, quase que hipnotizada para as mãos dela se movendo sem parar até dar o ponto certo do doce.
Naquele instante eu percebi que fazer aquele brigadeiro seria para mim
muito mais do que um agrado para alguém que eu amo, seria também a homenagem a
alguém que eu amei como se fosse minha mãe e que eu sei que me amou como a
filha que ela nunca teve.
E a tia Nice estava lá, comigo, mexendo naquela panela, deixando o doce
perfeito, do jeitinho que ela sempre fazia e eu percebi então que aquele sabor
inigualável, que ninguém até hoje conseguiu reproduzir para mim não estava nos
ingredientes que ela usava e sim no amor que ela colocava em cada gesto da
preparação, estava no carinho e na alegria com que ela fazia aquele doce,
pensando em nossa própria alegria quando fôssemos comê-lo.
Fico então pensando em como a morte de alguém que
amamos nos priva não apenas da presença destas pessoas mas também destes
pequenos gestos deles para nós e que nos fazem tanta falta quando não
existem mais.
Mas eu percebi que estes gestos não precisam morrer
com eles, basta que nós os perpetuemos em nosso dia-a-dia, com as pessoas que
amamos, para que eles continuem conosco, acalentando nossa alma e nosso
coração.
Hoje, eu descobri que a tia Nice ainda vive em mim.
Ela sempre esteve comigo. Apenas que eu, sem saber, a mantive escondida nos
recantos das minhas lembranças, mantendo-a só para mim. E o gesto de raspar o fundo da panela de brigadeiro, algo que fiz novamente hoje, pela primeira vez em tantos anos, não me acarretou nenhuma tristeza, muito pelo contrário, senti uma imensa alegria experimentando o brigadeiro ainda quente e eu quase pude vê-la novamente ao meu lado sorrindo, feliz da vida, simplesmente porque eu estava feliz.
Agora eu descobri que não precisava deixar estas lembranças tão boas escondidas dentro de mim. Não foi doloroso lembrar, sentir. Foi, na verdade, muito bom descobrir que posso perpetuar um gesto tão lindo que ela fazia para mim.
É claro que meu brigadeiro não tem o mesmo gosto que o dela tinha afinal, eu não utilizei os mesmos ingredientes, mas tenho certeza de que ele ficou exatamente com o mesmo sabor incomparável que ela colocava em tudo o que ela fazia para mim, o sabor que aqueles que amam imprimem em tudo o que fazem : amor.
É claro que meu brigadeiro não tem o mesmo gosto que o dela tinha afinal, eu não utilizei os mesmos ingredientes, mas tenho certeza de que ele ficou exatamente com o mesmo sabor incomparável que ela colocava em tudo o que ela fazia para mim, o sabor que aqueles que amam imprimem em tudo o que fazem : amor.
Este é seu tia, com todo o meu amor. |