domingo, 19 de agosto de 2012

Sobre morte e brigadeiros


Minha lembrança mais antiga da minha tia são os brigadeiros.

Ela fazia brigadeiros todas as vezes que íamos para a casa da minha avó no interior.

E eram para nós, para mim e para meus dois irmãos, para mais ninguém.

Macios, saborosos, eu nunca mais, desde que ela faleceu, experimentei brigadeiros tão gostosos. Chocolate belga, chocolate importado, sabores diferentes...nada consegue se comparar ao sabor dos brigadeiros da tia Nice.

Eu me lembro da festa que era para nós, raspar o fundo da panela, ainda quente, quase queimando a língua.

Depois que ela se foi, eu nunca mais tive o prazer de raspar o fundo de uma panela de brigadeiro. Na verdade, eu nunca mais senti vontade de fazer isso.

E eu nunca, nem uma vez em quase 30 anos, cheguei perto de um fogão para fazer este doce.

Era algo inconsciente, algo que eu não queria fazer porque eu acreditava que os brigadeiros deveriam ser algo que só ela poderia fazer para mim.

Mas hoje, quando a minha filha comentou que o namorado dela adorava brigadeiros de ovomaltine, algo dentro de mim se acendeu e eu senti uma vontade imensa de fazer para ele um doce que sempre foi para mim o mais delicioso do mundo e que, nos últimos 30 anos, tinha perdido para mim, toda a graça.

E, resoluta, cheguei ao fogão munida dos ingredientes e meus olhos se encheram de lágrimas ao me lembrar dela, de bermuda e camiseta, mexendo a colher de pau no fogão da cozinha da casa da minha avó enquanto eu olhava, quase que hipnotizada para as mãos dela se movendo sem parar até dar o ponto certo do doce.

Naquele instante eu percebi que fazer aquele brigadeiro seria para mim muito mais do que um agrado para alguém que eu amo, seria também a homenagem a alguém que eu amei como se fosse minha mãe e que eu sei que me amou como a filha que ela nunca teve.

E a tia Nice estava lá, comigo, mexendo naquela panela, deixando o doce perfeito, do jeitinho que ela sempre fazia e eu percebi então que aquele sabor inigualável, que ninguém até hoje conseguiu reproduzir para mim não estava nos ingredientes que ela usava e sim no amor que ela colocava em cada gesto da preparação, estava no carinho e na alegria com que ela fazia aquele doce, pensando em nossa própria alegria quando fôssemos comê-lo.

Fico então pensando em como a morte de alguém que amamos nos priva não apenas da presença destas pessoas mas também destes pequenos gestos deles para nós e que nos fazem tanta falta quando não existem mais.

Mas eu percebi que estes gestos não precisam morrer com eles, basta que nós os perpetuemos em nosso dia-a-dia, com as pessoas que amamos, para que eles continuem conosco, acalentando nossa alma e nosso coração.

Hoje, eu descobri que a tia Nice ainda vive em mim. Ela sempre esteve comigo. Apenas que eu, sem saber, a mantive escondida nos recantos das minhas lembranças, mantendo-a só para mim. E o gesto de raspar o fundo da panela de brigadeiro, algo que fiz novamente hoje, pela primeira vez em tantos anos, não me acarretou nenhuma tristeza, muito pelo contrário, senti uma imensa alegria experimentando o brigadeiro ainda quente e eu quase pude vê-la novamente ao meu lado sorrindo, feliz da vida, simplesmente porque eu estava feliz.

Agora eu descobri que não precisava deixar estas lembranças tão boas escondidas dentro de mim. Não foi doloroso lembrar, sentir. Foi, na verdade, muito bom descobrir que posso perpetuar um gesto tão lindo que ela fazia para mim.

É claro que meu brigadeiro não tem o mesmo gosto que o dela tinha afinal, eu não utilizei os mesmos ingredientes, mas tenho certeza de que ele ficou exatamente com o mesmo sabor incomparável que ela colocava em tudo o que ela fazia para mim, o sabor que aqueles que amam imprimem em tudo o que fazem : amor.

Este é seu tia, com todo o meu amor.

domingo, 5 de agosto de 2012

O SILÊNCIO DE CRISTO


Já há algum tempo eu compreendo bem o significado do silêncio de Cristo.
Quando Ele se cala, é porque está agindo.
A mim, cabe ter paciência para aguardar o tempo certo de todas as coisas.

Não sou a dona deste texto.
Terei prazer em creditá-lo se alguém souber sua autoria.

O Silêncio de Cristo

Uma antiga lenda norueguesa narra este episódio sobre um homem chamado Haakon, que cuidava de uma capela à qual muita gente vinha orar com devoção. Nesta capela havia uma cruz muito antiga, e muitos vinham ali para pedir a Cristo que fizesse algum milagre.
Certo dia, o eremita Haakon quis também pedir-lhe um favor, impulsionava-o um sentimento generoso. Ajoelhou-se diante da crua e disse:
- Senhor, quero padecer por vós, deixai-me ocupar vosso lugar, quero substituir-vos na Cruz.
E permaneceu com o olhar pendente da cruz, como quem espera uma resposta. O Senhor abriu os lábios e falou. As suas palavras caíam do alto, sussurantes e admoestadoras :
- Meu servo, cedo ao teu desejo, mas com uma condição.
- Qual é Senhor? – Perguntou com acento suplicante Haakon. – É uma condição difícil? Estou disposto a cumpri-la com a tua ajuda!
- Escuta-me, aconteça o que acontecer, e vejas tu o que vires, deves guardar sempre o silêncio.
Haakon respondeu:
- Prometo-o Senhor!
E fizeram a troca sem que ninguém o percebesse.
Ninguém reconheceu o eremita pendente da cruz; quanto ao Senhor, ocupava o lugar de Haakon. Durante muito tempo, este conseguiu cumprir seu compromisso e não disse nada a ninguém.
Certo dia, porém, chegou um homem rico. Depois de orar, deixou ali esquecida a sua bolsa. Haakon viu-o e calou-se. Também não disse nada quando um pobre, que veio duas horas mais tarde, se apropriou da bolsa do rico.
E também não quando um rapaz se prostrou diante dele pouco depois para pedir-lhe a sua graça antes de empreender uma longa viagem.
Nesse momento porém, o rico tornou a entrar em busca da bolsa. Como não encontrasse, pensou que o rapaz se teria apropriado dela. Voltou-se para ele e o interpelou com raiva:
- Dá-me a bolsa que roubaste!
O jovem surpreso, replicou-lhe:
- Não roubei nenhuma bolsa!
- Não mintas, devolve-me já!
- Repito que não apanhei nenhuma bolsa!
O rico arremeteu furioso contra ele. Soou então uma voz forte:
- Para!
O rico olhou para cima e viu que a imagem lhe falava. Haakon, que não conseguiu permanecer em silêncio diante daquela injustiça, gritou-lhe, defendeu o jovem e censurou o rico pela falsa acusação.
O rico ficou aniquilado e saiu da capela. O jovem saiu também porque tinha pressa para empreender a sua viagem.
Quando a capela ficou vazia, Cristo dirigiu-se ao servo e disse-lhe :
- Desce da cruz. Não serves para ocupar o meu lugar. Não soubeste guardar silêncio.
- Mas Senhor, como podia eu permitir essa injustiça?
O Senhor continuou a falar-lhe:
- Ti não sabias que era conveniente para o rico perder a bolsa, pois trazia nela o preço da virgindade de uma jovem. O pobre, pelo contrário, tinha necessidade desse dinheiro; quanto ao rapaz que ia receber os golpes, as suas feridas o teriam impedido de fazer a viagem que, para ele, foi fatal: faz alguns minutos que o seu barco naufragou e ele se afogou. Tu também não sabias disso mas Eu sim. E por isso me calo.
E o Senhor tornou a guardar silêncio.

Muitas vezes nos perguntamos porque Deus não nos responde. Porque Deus se cala.
Muitos de nós gostaríamos que nos respondesse o que desejamos ouvir mas Ele não o faz, responde-nos com o silêncio.
Deveríamos aprender a escutar esse silêncio. O Divino Silêncio é uma palavra destinada a convencer-nos de que Ele, sim, sabe o que faz.
Com Seu silêncio, nos diz carinhosamente:
“Confia em mim, sei o que é preciso fazer!”

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sobre vaidade e moda


Eu nunca fui vaidosa, isto é um fato incontestável.
Nunca abri mão de minutos preciosos de sono pela manhã para me arrumar na frente do espelho.
Eu me lembro de que muitas vezes, eu apenas escovava os dentes, colocava o uniforme do colégio e ia embora sem nem ao menos passar um pente nos cabelos.
E eu só percebia que não havia penteado meu cabelo no horário do intervalo quando minha prima que estudava na outra classe , vinha toda jeitosa tentar me convencer a colocar uma presilha nele.
Para minha sorte e paz de espírito, isso nunca me incomodou.
Na verdade, olhando para trás, eu percebo que o tal bullying que os colegas e supostas amigas me faziam, me divertia muito. Eu achava muita graça da preocupação que algumas pessoas tinham com a minha aparência e com a minha estranha noção de moda.
Sim, porque crédito seja dado aos infelizes, em matéria de moda, eu sempre fui um caso perdido.
Mas a verdade é que, até hoje, eu não costumo me importar com o que combina ou não quando decido colocar uma roupa. Felizmente para quem anda em minha companhia, meu gosto melhorou consideravelmente do meu tempo de adolescente mas eu ainda tenho meus momentos - que eu a-do-ro! - que arrepiam os cabelos dos entendidos de moda e até de alguns menos entendidos.
O que eu nunca entendi, era porque as pessoas se preocupavam tanto com a minha vida.
Com o tempo, eu percebi que praticamente todos que eu conhecia vivam assim, preocupados em apontar o que os outros faziam de errado e nunca olhavam para si mesmos.
Eu sempre procurei ser educada com quem vinha me aconselhar, cheios de boas intenções : "faça assim", "não faça isso desse jeito", "use isso ou aquilo". Eu, muitos anos antes dos pinguins de Madagascar inventarem o termo, já sorria e acenava com a cabeça, pensando comigo "mando ou não mando? Nahhh, mando nada, deixa ela pensar que estou concordando com tudo".
Hoje em dia, eu sou menos educada - é mais forte do que eu perguntar se o intrometido paga minha contas para querer dar palpite nas minhas roupas - mas, pelo menos, eu escuto e pondero o que me dizem. Se for conveniente, eu sigo o conselho, se não for, eu sorrio e aceno.
Moda para mim, é o que me faz sentir bem. Estar na moda é olhar no espelho e gostar do que vê.
Vaidade não é meu ponto forte porque eu simplesmente não acredito na teoria de que nos arrumamos para os outros, para alguém especial.
Eu tenho a convicção de que a única pessoa que eu preciso agradar com a minha aparência sou eu mesma.
Felizmente - ou infelizmente, dependendo do ponto de vista - meus critérios de avaliação são assustadoramente baixos.
Eu tenho consciência entretanto de que preciso me cuidar e faço isso, com critério, com atenção, pensando primeiro na minha saúde, depois na minha aparência.
Porque no final mesmo, é nossa saúde que vem em primeiro lugar e eu pretendo, de verdade, chegar aos 100 anos podendo me olhar no espelho e ter a certeza de que tudo o que fiz, foi para mim mesma.