segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sobre abortos e milagres

Fortaleza - 1º Janeiro de 1990 - Estávamos de férias pelo nordeste já há quase 15 dias. Sol e calor e muito alegria. Eu, grávida, realizada e feliz.
Na madrugada do dia 2 eu comecei a sentir dores muito fortes na barriga. Dores que vinham e sumiam e voltavam novamente.
Meu marido, jovem, inexperiente, decidiu esperar o dia amanhecer para procurar o concierge do hotel e encontrar um médico.
Lá pelas 6 da manhã eu gritava de dor e ele decidiu que iríamos a um hospital.
Eu me vesti e fui ao banheiro e lá senti aquela pequena vida deixando o meu corpo e caindo no vaso sanitário.
Sim, eu tive um aborto há mais de 20 anos atrás.
Mas, por mais estranho que possa parecer, naquele momento, em que meu bebê deixava de existir, eu senti um alívio enorme, como se fosse algo que eu esperasse acontecer.
E por favor, não confundam alívio com alegria. Não fiquei feliz em perder aquele bebê, eu queria muito ser mãe e estava imensamente feliz com minha gravidez.
Mas eu sempre acreditei que Deus tinha tudo encaminhado em minha vida e, por alguma estranha razão, aquela criança não deveria ser minha.
O mais estranho foi encarar as pessoas que se chocavam com a minha serenidade diante da situação. Tanto eu quanto meu marido encarávamos a perda como uma bênção de Deus e não como um castigo enquanto que todos à nossa volta nos olhavam com aquela expressão "coitadinhos, o que eles fizeram para merecer esse sofrimento?"
Sofrimento? Não, eu não sofri mas não gostei da experiência, da sensação desagradável de sentir o bebê literalmente escorregando de dentro de mim e eu impotente para impedir que isso acontecesse.
O fato de eu aceitar o que aconteceu não implica que eu desejasse aquilo.
Talvez por este motivo eu seja contra o aborto.
E leiam bem, sou contra o aborto, não sou contra a mãe que o pratica ou a lei que o autoriza, sou contra uma mulher arrancar um pedaço de seu corpo porque, queira ou não, quando você tem uma criança crescendo dentro de si, ela faz parte de seu corpo. Ela se alimenta do que você come e respira o oxigênio que corre em suas veias. Ela é um pedaço de você e, independente do que leis, homens, religiões e feministas dizem, eu não gostei em absoluto da sensação de perder um pedaço de mim.
Mas cada um é dono de si, de sua consciência e de suas motivações.
Não me cabe julgar.
Posso apenas compartilhar minha experiência e justificar minha contrariedade com o ato.
O fato é que este aborto na verdade, foi muito bom para mim.
Foi uma bênção de Deus.
Porque não houveram sequelas em meu corpo e nem traumas em minha mente e no fim das contas terminou com um milagre se repete todos os dias há 21 anos.
Eu perdi uma criança e, como Jó, que recebeu de Deus em dobro tudo o que lhe havia sido tomado, eu recebi minhas filhas.
E o fato de perder um bebê me fez passar por esta segunda gravidez com uma serenidade, com uma paz e com uma alegria que contagiava todos à minha volta.
Eu encarei a maternidade com outros olhos e se hoje eu tenho certeza de que fui uma boa mãe para as minhas filhas, eu devo uma parte disso ao fato de ter valorizado cada segundo de minha gravidez, de ter recebido meus bebês como uma bênção divina e ter aceitado a perda daquela pequena vida que crescia dentro de mim, como um ensinamento e não como um castigo.
E todos os dias, eu  abençoo aquele bebê que nunca foi meu porque, graças a ele, hoje eu tenho minhas duas jóias preciosas, o maior presente que Deus poderia me dar na vida.




Um comentário:

Lu Costa disse...

Pq vc me faz chorar? Te amo tanto...