quinta-feira, 6 de junho de 2013

Um livro por dia - #6 - Capitães da Areia


Capitães da Areia - Jorge Amado


- Isso não é livro para criança.
- Deixa a menina, ela vai ler de qualquer jeito, ela lê tudo o que aparece naquela estante.

E me deixaram ler Jorge Amado aos 11 anos. 

Isso depois que minha mãe descobriu que eu já havia lido Dona Flor e seus Dois Maridos meses atrás sem que ninguém da casa soubesse. 

Depois de Dona Flor, Capitães da Areia não seria tão ruim.

E à princípio não foi, é claro. 

É óbvio que Jorge Amado não é leitura infanto juvenil mas para mim, que lia desde bulas de remédios até as enciclopédias e dicionários de casa, era apenas mais um livro. 

Era desnecessário se criar um problema com isso. Somente anos mais tarde, eu compreendi que a preocupação de meus pais era justamente as dúvidas que uma literatura adulta poderiam gerar em minha cabeça. 

Felizmente para eles, meu vasto repertório de leitura era suficiente para me prover com as respostas de 90% das questões e minha intuição, resolvia o problema dos outros 10%.

E as primeiras páginas de Capitães da Areia me deu meu primeiro herói para reverenciar.

Pedro Bala era, aos meus olhos de criança, um super-garoto, que cuidava de seus amiguinhos e sabia lutar.

Mas, nem toda a inocência do mundo resiste à crueza com que Jorge Amado descreve as mazelas da realidade das crianças de rua em Salvador.

E, à medida que eu lia, chorava de tristeza por aquelas crianças, deixadas à própria sorte, compartilhando com eles, seus pequenos momentos de felicidade e suas angústias e dores.

Eu terminei minha primeira leitura de Capitães da Areia odiando Jorge Amado, por não dar um final feliz para Sem-Pernas por tirar Dora de Pedro, por fazer uma criança de 11 anos perceber tão cedo, que existiam crianças sem lar, sem comida, sem pais, sem amor, sem esperanças.

E talvez seja por isso que Jorge Amado não seja leitura para crianças, porque suas histórias são lindas mas são tristes e muito verdadeiras. 

E eu só consegui compreendê-lo de verdade, alguns anos e vários outros livros depois. Porque, nem mesmo odiando o autor, eu consegui deixar de ler suas outras obras e, aos poucos, começar a compreender o que ele realmente queria mostrar a seus leitores.

Hoje, tantos anos depois,  Capitães da Areia ainda é meu livro favorito de Jorge Amado.

Ainda sofro por Sem-Pernas e Dora e pelos meninos do Trapiche, ainda choro pelo sofrimento deles mas hoje, eu agradeço a Jorge Amado por este lindo conto de fadas brasileiro onde, nem todos os personagens encontraram um final feliz mas todos, sem exceção lutaram, de alguma maneira, por ele.

Então os lábios de Sem-Pernas se descerraram e ele soluçou, chorou muito encostado ao peito de sua mãe. E enquanto a abraçava e se deixava beijar, soluçava porque a ia abandonar e, mais que isso, a ia roubar. E ela talvez nunca soubesse que o Sem-Pernas sentia que ia furtar a si próprio também.”


Nota - a série de posts Um livro por dia não tem a intenção de publicar críticas ou resenhas úteis ou mesmo interessantes. São sentimentos e sensações que aconteceram durante a leitura dos livros e que se transformaram em palavras. Se não fizerem sentido nenhum, por favor, não tente fazer com que tenham.




Nenhum comentário: